domingo, 21 de dezembro de 2008

Monólogo do Natal

Monólogo do Natal

Não gosto de você Papai Noel.
Também não gosto desse seu papel de vender ilusões à burguesia.
Se os garotos humildes da cidade soubessem do seu ódio à humildade, jogavam pedra nessa fantasia.
Você talvez nem se recorde mais. Cresci depressa, me tornei rapaz, sem esquecer, no entanto, o que passou.
Fiz-lhe um bilhete, pedindo um presente e, à noite inteira, eu esperei contente.
Chegou o sol e você não chegou.
Dias depois, meu pobre pai cansado trouxe um trenzinho feio, empoeirado, que me entregou com certa exitação. Fechou os olhos e balbuciou: "É pra você, Papai Noel mandou". E se esquivou, contendo a emoção.
Alegre e inocente nesse caso, eu pensei que meu bilhete com atraso, chegara às suas mãos, no fim do mês.
Limpei o trem, dei corda, ele partiu dando muitas voltas.
Meu pai me sorriu e me abraçou pela última vez. O resto só eu pude compreender quando cresci e comecei a ver todas as coisas com realidade.
Meu pai chegou um dia e disse, a ledo: "Onde é que está aquele seu brinquedo? Eu vou trocar por outro, na cidade".
Dei-lhe o trenzinho quase a soluçar, e como quem não quer abandonar um mimo que nos deu, quem nos quer bem, disse medroso: "O senhor vai trocar ele? Eu não quero outro brinquedo, eu quero aquele. E por favor, não vá levar meu trem".
Meu pai calou-se e pelo rosto veio descendo um pranto que eu ainda creio, tanto e santo, só Jesus chorou.
Bateu a porta com muito ruído, mamãe gritou; ele não deu ouvidos. Saiu correndo e nunca mais voltou.
Você Papai Noel, me transformou num homem que a infância arruinou. Sem pai e sem brinquedos. Afinal, dos seus presentes, não há um que sobre para a riqueza do menino pobre que sonha o ano inteiro com o Natal.
Meu pobre pai doente, mal vestido, para não me ver assim desiludido, comprou por qualquer preço uma ilusão e, num gesto nobre, humano e decisivo, foi longe pra trazer-me um lenitivo, roubando o trem do filho do patrão.
Pensei que viajara, no entanto, depois de grande, minha mãe, em prantos, contou-me que fôra preso. E como réu, ninguém a absolvê-lo se atrevia. Foi definhando, até que Deus um dia entrou na cela e o libertou pro céu.
(Aldemar Paiva

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